Quarta Crônica: Esperança
Quando a Igreja Católica ficou tão corrupta que se
aliou aos reis europeus no genocídio dos índios da América por lucro, os
políticos da Cidade dos Anjos disseram que a guerra contra os principados e
potestades de Lúcifer era mais importante.
Assim, enquanto índios e africanos morriam de doenças
causadas pelo trabalho em minas de extração de
prata, estanho, ouro... morriam em lavouras, assassinados, ou de doenças
trazidas pelos invasores, os anjos políticos ordenavam que as falanges não
interferissem.
Quando as civilizações maia, inca e asteca foram
destruídas e substituídas por favelas, esses anjos filosofaram argumentando que
era o preço pela divulgação do Evangelho no Novo Mundo ( os fins justificam os
meios, blá blá blá...).
Quando os judeus começaram a ser exterminados pelos
nazistas e o Vaticano e as igrejas protestantes não fizeram nada, os anjos
políticos responderam que esse era o preço que os judeus tinham que pagar por
não terem aceitado Jesus: “Os judeus não disseram que o sangue Dele deveria
cair sobre eles e seus filhos? Cuidado com o que diz...”
Hoje, os israelenses mostraram que não são tão
anjinhos como afirmam. Matam os palestinos (“dizimam”, no mal sentido) para os
“novos nazistas”, os estadunidenses. Os anjos dizem que é melhor lidar com os
EUA que com a “ameaça islâmica”. Pode isso?
Sou irmão deles, servimos a Deus, mas acho que eles
são piores que os demônios. Sempre achei que o Inimigo criou a Política.
Meu
nome é Ismael.
* * *
Por toda a Terra, o lucro é o responsável pelos
maiores pecados. Milhões de pessoas são escravizadas por centenas; têm seu
acesso à saúde, educação, alimentação, emprego, moradia, etc, limitado pelos
seus escravizadores. A minoria se torna bandido, sendo morta pelos assassinos
criados pelos próprio sistema. A maioria se conforma com sua situação,
ajoelhando-se a Deus ou ao seu Inimigo, pedindo uma saída para seus problemas.
Crianças morrem para que ricaços insensíveis andem de
limusine. O Homem destrói a própria Casa em troca de lucro. E eu?
Eu
estou me lixando.
Meu chefe é o deus do capitalismo, Mammom. Sábio,
invencível e absoluto, ele não teme Deus ou o diabo. Quem sou eu? Ravok, um dos
muitos deuses da Internet. Pequeno, mas respeitado. Já lutei contra anjos,
demônios, magos, deuses, homens, tudo para manter Mammom onde está. Enquanto
ele permitir que alguns humanos me adorem, continuarei a existir e isso me
basta.
* * *
Levei o caso para Deus e Ele ordenou-me que não
interferisse com a escalada de Mammom rumo ao controle da Terra. Como pode Ele,
criador de tudo, se omitir diante disso? Mesmo sendo meu Pai, como pode me
ordenar que ignore tanta dor, tanta exploração?
Sou
o anjo Ismael e estou confuso.
* * *
Os líderes comunistas, em sua maioria, fingem se
preocupar com a fome do povo. Eles só querem chegar ao poder. Por outro lado,
não vejo o povo explorado como coitadinhos. Todo mundo, quando consegue algum
poder, passa a explorar os outros.
Eu não tenho pena dos oprimidos. Eu sou Ravok.
* * *
Eu resolvo desobedecer aos meus superiores e ao meu
Pai. Reúno uma falange de anjos que pensa como eu e passo a atacar empresas que
destroem o meio ambiente, bancos, etc. durante meses, nosso grupo consegue
muitas vitórias. Punimos humanos e demônios que enriquecem à custa de
inocentes.
Eu estou feliz. Eu sou Ismael.
* * *
Mammom me ordena destruir anjos que estão prejudicando
muito seus negócios. Levo algumas semanas para encontrar o líder, Ismael. Após
uma emboscada mal sucedida e horas de luta, ele me põe para correr.
Espero muito por um descuido dele, para armar outra
cilada. Faço o grupo dele se dividir com uma distração simples ( coloco vários
humanos inocentes em perigo de morte). Quando o encontro sozinho, o atinjo
rápido e sem piedade. Ele está muito ferido e à beira da morte.
─ Quem é você? ─ ele me pergunta.
─ Você se meteu com quem não devia. Sou o carrasco
contratado para eliminá-lo.
─ Não vou implorar misericórdia.
─ Você não sabia o que estava fazendo? Quem é meu
chefe?
─ Alguém precisava resistir a ele. A Terra não vai durar
muito mais...
Fico com pena dele por sua ingenuidade, mas admiro sua
coragem. Infelizmente, não posso deixá-lo ir.
Decido transformá-lo numa árvore belíssima,
batizando-a de Esperança, em homenagem a ele. Eu sou Ravok. Faço o que é
preciso para sobreviver. Um deus precisa de adoradores. Mammom me permite
tê-los. Mas não significa que eu seja sádico, que sinta prazer com o sofrimento
dos outros.